sábado, 8 de março de 2014

CRÍTICA DO HISTORIADOR FRANCISCO MARTINS AO LIVRO 'SEM MUTHEMBA'

Resenha do livro Sem Muthemba: usos políticos dos cultos afros e outros ensaios O presente livro é uma miscelânea de ensaios produzidos entre os anos de 2002 e 2013 por Charles Odevan Xavier, um estudioso dos fenômenos religiosos afro-brasileiros. O autor busca, sobretudo, como seu leitor, provavelmente, aquele surgido a partir de 2003 com o advento da Lei 10.639 e sua respectiva correção com a Lei 11.645 de 2008. Essas Leis estipulam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Promoção da Igualdade Racial e instituem o ensino obrigatório de História e Culturas Afro-brasileiras e Indígenas nas escolas de ensino básico do Brasil (públicas e privadas). Esse é o grande objetivo do autor, ou seja, alcançar esse público. Na verdade esse objetivo é um óbice para quem quer alcançar leitores e divulgar suas ideias, pois esse público não é acostumado à leitura de uma abordagem do estudo de História e da Cultura Africana e Afro-brasileira, na perspectiva dos conhecimentos e dos saberes africanos produzidos no continente africano e nas suas diásporas, significa abdicar das abordagens que buscam compreender os negros africanos e seus descendentes espalhados pelas diversas partes do planeta, como mero objeto de estudo com base em uma matriz teórica e metodológica de base ocidental e eurocêntrica; e, reivindicar um tratamento onde estes sejam compreendidos como sujeitos de um movimento global de deslocamento de saberes, culturas e histórias; na qualidade de sujeitos históricos, providos de identidade e titulares de um discurso forjado no âmbito da diáspora. (PAULA, Benajmim Xavier. Os Estudos Africanos no Contexto das Diásporas – In: Revista da ABPN, v. 5n. 11- jul. – out. 2013, p. 131-148 e nota 1 do livro ora resenhado). Ora, como o Ceará conta hoje com uma universidade (UNILAB) voltada para a lusofonia e afro-brasilidade, esse é um livro importante, não só, para a escola de ensino básico, mas também para os ciclos iniciais da universidade, por conter ensaios, sobretudo, levando em conta os cultos e religiões afro-brasileiras e das culturas afro-brasileiras. Ao abordar as afro-religiosidades da diáspora negra no Brasil, o autor procurou analisa-las inicialmente a partir do estudo feito ao longo de seis anos, usando o acervo da Biblioteca da Cabana Luz do Congo (p. 25 – 46). A seguir, ele faz um estudo da importância da Muthemba, onde é feito um levantamento histórico do momento em que a Muthemba deixou de ser praticada no Brasil ao proporcionar todo um processo de aculturação do povo negro, que resultou em práticas diluídas de afro-religiosidades. Essas práticas “seriam muitas e, na maioria dos casos, intercambiáveis entre si.. Desse modo, teríamos as religiões negras do Maranhão: terecô, babaçuêra, tambor de mina, encantaria. No restante do nordeste teríamos: o catimbó no Ceará eno Rio Grande do Norte; a jurema ou juremeiro na zona rural da maioria dos estados nordestinos; os candomblés baianos, o xangô pernambucano. No sudeste teríamos a macumba e a umbanda. E no sul teríamos o batuque gaúcho”. (Cf. nota 7, do livro ora resenhado).O autor discorre acerca das dificuldades dos próprios praticantes dessas afro-religiosidades em identificarem seus cânones, se é que existem, e usarem várias práticas desses cultos concomitantemente. Os praticantes, com raras exceções procuram ler sobre seus cultos, embora muitas vezes tenhamos presença de pessoas de classe média e com formação de nível médio e superior entre seus praticantes. Em seus estudos e pesquisas na Biblioteca supra citada, o que o autor pensava ser a “doutrina” da umbanda canonizada, tratava-se da doutrina de uma umbanda embranquecida. E sobre o Cânon, propriamente dito, seria mais de fundo literário do que propriamente teológico. Entretanto, o estudo, a pesquisa e a convivência com os membros da “Cabana Luz do Congo” e sua Biblioteca o ajudaram a perceber que tinha uma visão muito preconcebida do que era religião legitimamente negra. Isso o levou a buscar novos estudos e bibliografias e com a ajuda do historiador Wilson do Nascimento Barbosa, de Reginaldo Prandi, Nei Lopes, Cândido Emanuel Felix, Manoel Lopes, W. W. da Matta e Silva, Rivas Neto, Rubens Sarraceni e da coleção sobre estudos da África da UNESCO, levou-o a compreender e aceitar as influências afro descendentes, indígenas, católicas, judaicas, ciganas, islâmicas, kardecistas, rosa-cruzes, maçônicas e teosóficas sobre as religiões afro descendentes no Brasil. Seguindo fortemente esse diálogo crítico com várias fontes bibliográficas, acrescidas com a obra África de Geoffrey Parrinder e a tese de doutorado de ValdeliCarvalho da Costa de perspectiva católica, um artigo do historiador negro Wilson do Nascimento Barbosa. Esse historiador será de suma importância para a compreensão das religiões afro descendentes. Aqui é feita uma análise de como eram tratadas as religiões afro-brasileiras pela repressão policial a mando de políticos que, muitas vezes eram clientes e aconselhados em muitas de suas decisões por pais e mães de santo e seus orixás e jogavam as cartas do tarô a fim de tomarem decisões políticas importantes. Prosseguindo com seus ensaios, o autor faz uma inserção nas várias concepções de Deus do ponto de vista filosófico. Em sua abordagem ele faz uso dos estudos de Allan W. Watts, Joseph Campbell, MirceaEliade, Karen Armstrong, Sigmund Freud, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Gianni Vattimo, Mikhail Bakunin, Richard Dawkins, Michel Onfray, Robert Solomon e uma magnífica perspectiva de Deus no Teísmo Nagô-Iorubano do sul da Nigéria. O Iorubá é um território etnolinguístico que atravessa quatro países da África Ocidental: Nigéria, Benin, Gana e Togo. A religião Nagô-Iorubana é uma monolatria, onde o Deus Supremo pode coexistir com deuses ou deidades menores. Continuando seus ensaios, o autor muda o rumo da prosa, voltando-se nos próximos três ensaios para as questões culturais da afro-brasilidade abordadas preferencialmente na música popular brasileira, tendo como referências Dorival Caymmi e as temáticas dos pescadores e das religiões afro-brasileiras baianas, os Vissungos e Clementina de Jesus e o samba de Roberto Silva. Dá sequência com uma abordagem sócio-política com a “Carta do Povo de Terreiros à Dilma Candidata”. Enfim trata da questão do destino na Ciência, na Cultura Iorubá e na Astrologia. Os seis últimos ensaios tratam da Etnografia de uma sala de bate-papo, das Estratégias de legitimação em livros de Umbanda, dos Tarôs de Orixá no mundo editorial brasileiro, dos Negros no Ceará, da Negritude e Homo afetividade e da África em quadrinhos por um branco estadunidense. Porisso, posso dizer que esse é um livro para ser lido não só por afro-descendentes, mas por todos aqueles que têm interesse em conhecer nosso povo brasileiro descendentes de Africanos como a maioria de nós. Espero que Charles Odevan Xavier continue a aprofundar seus estudos e pesquisas sobre os ensaios desse livro, transformando-os em novos livros. Francisco MARTINS de Sousa, Professor Titular aposentado de História e Física da UECE

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