segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O SAGRADO NA PÓS-MODERNIDADE

O SAGRADO NA PÓS-MODERNIDADE AUTOR: Charles Odevan Xavier “Somos a primeira civilização na história do mundo a não ter centro, transcendência, sentido para a vida que a informe enquanto civilização” André Malraux Para falar do Sagrado evoco teóricos diversos, sem me prender a nenhum deles. Poderíamos citar as pesquisas de Mircea Eliade, Frank Usarsky, Carlos Mendoza-Álvarez, Gianni Vattimo e Luís Felipe Pondé. O recorte temporal situa-se na chamada pós-modernidade e para entendê-la evoco teóricos específicos como Jameson, Eagleton, Lyotard e Habermas. O VOCÁBULO ‘SAGRADO’ “Sagrado [Do lat. Sacratu] adj. 1. Que se sagrou ou que recebeu a consagração. 2. Concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto; sacro, santo. 3. Inviolável, puríssimo, santo, sacrossanto: sagrado amor. 4. Profundamente respeitável; venerável, santo. 5. Que não deve ser tocado, infringido, violado: os sagrados direitos do homem. 6. A que não se pode faltar; que não se pode deixar de cumprir: dever sagrado.” Novo Dicionário Aurélio “Toda religião opera com a ideia de sentido” Luís Felipe Pondé A definição do Dicionário sugere ao leitor diversos campos semânticos, mas quase sempre se ligam à noção do solene, do sério, do grave. Ou seja, não se pode lidar impunemente com o sagrado. Ele por si só exige respeito. Luís Felipe Pondé diz que o Sagrado define por ser: sempre aquilo que é; tem o ser em si; não depende dos outros. Poderíamos até questionar Pondé na seguinte observação: se o sagrado é independente do homem; e se o humano não existisse, existiria o sagrado? Se não vejamos. Dizem os astrofísicos que daqui a milhões de anos o Sol vai entrar em colapso, causando a extinção da vida na Terra. Então quem iria cultuar os deuses a partir desta data? Ou será que, justamente nessa efeméride, estaríamos todos no além? Isso partindo do pressuposto que a religião tenha razão. Voltando a Pondé ele dirá que toda vez que o sagrado se manifesta, ele altera a relação do ser humano com o tempo e o espaço. Ou seja, entendemos que só o homem consegue sacralizar o tempo e o espaço no qual está imerso. Não foi encontrado altares em nenhum formigueiro para o Deus formiga ou em nenhuma colméia ex-votos para a Deusa abelha. MÁXIMA SECULARIZAÇÃO OU RETORNO DO RELIGIOSO NA PÓS-MODERNIDADE? Como falar do Sagrado no seio de nossa época, que se debate entre o niilismo e o retorno do fundamento. Somos herdeiros do Iluminismo, cidadãos e crentes vivendo no século XXI no Ocidente, todos somos devedores do patrimônio espiritual judeu e cristão que foi vertido da maneira predominante na valiosa ânfora da cultura Greco-romana. E há autores, como o filósofo italiano Gianni Vattimo, que até defende a tese de que é este patrimônio da cultura judaico-cristã que serviu de esteio para a secularização da modernidade e pós-modernidade. Falar em fé – ou a antiga pistis dos gregos, a fides dos latinos, a crença dos modernos – na experiência vivida pelos seres humanos que vivem num mundo desencantado, no meio de escombros produzidos pelo colapso das grandes narrativas e pela crise de credibilidade das grandes instituições modernas (família, universidade, Estado, Igreja). O contexto cultural da modernidade tardia (Habermas) se apresenta aqui sob o ângulo dos sintomas da busca do espiritual, vivida por pessoas e comunidades de crentes, e ainda pelas coletividades em geral, de diversas formas: segundo a primazia do emocional, ou como busca de um fundamento, ou, mais ainda, da consciência do Nada. Trata-se, assim, de um verdadeiro sinal dos tempos pós-modernos que pede uma investigação para discernir aí um sentido salvífico na terminologia de Carlos Mendoza-Álvarez. No limite do colapso da modernidade, após a queda dos totalitarismos da razão, da técnica e do capital, a humanidade está confrontada, pela primeira vez em escala global, com o risco real de aniquilamento total. O retorno do sagrado, que a modernidade acreditara ter suprimido, se apresenta freqüentemente sob a forma de renascimento da religião segundo formas emocionais, como estranha combinação de fé e afirmação narcisista típica de um sujeito ameaçado. Decerto, o religioso (fricção entre o crer e o crido) é um espaço ambíguo no qual a subjetividade e a transcendência s se tocam às vezes, se mascaram e quase nunca se limitam mutuamente. Deste modo, o termo religião não é sinônimo do espiritual, mas, muito pelo contrário, representa freqüentemente seu abafamento, seu disfarce ou, ao menos, seu mascaramento segundo o páthos do sentimento tresloucado, da emoção irracional e da certeza de uma suposta manifestação divina no meio da banalidade cotidiana, experiência que o faz explodir para além de seus limites. O frei mexicano Carlos Mendoza-Álvarez prefere empregar o termo espiritual no lugar do religioso, já que aquele designa mais especificamente a busca própria dos místicos, freqüentemente vivendo ao revés do sistema doutrinal e moral dominante, no sentido de uma indagação levada a efeito na discrição, no espaço religioso, consciente de seus próprios limites e evocando um estado de espírito apto para o possível despertar para os mistérios, percebidos com muita dificuldade por meio do ato religioso. AS IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA MÍSTICA Tanto uma como outra forma do espiritual, ou seja, tanto o religioso como o místico, se chamam reciprocamente, seja para justificar sua existência segundo a ordem da contradição, seja na confrontação para calibrar seus próprios limites um diante do outro, ou, mais ainda, para pôr em marcha uma estratégia de subsistência no meio de agressões mútuas. Segundo Mendoza-Álvarez, isto se explica porque o espiritual sempre se encontra ancorado no social e no político: o lugar de todas as identidades, pertenças e vontade de domínios, mas também o de todas as reconciliações. Assim, mais que uma evasão do mundo, o espiritual designa uma forma de estar-no-mundo marcada, ao mesmo tempo, pela recusa da incerteza do real e pela sede de transcendência. Essa maneira de ser-no-mundo anseia, por um lado, protestar contra o sofrimento do inocente e , por outro, nos ensina a viver a vida posta na própria finitude para denunciar aí o caráter efêmero da beleza e do amor. Efetivamente, no discurso moderno, quando se fala de sagrado, designa-se aquela esfera própria das tradições da humanidade em que se nutre a relação com Deus através de livros sagrados, de mediadores chamados frequentemente de profetas, de lugares privilegiados para o contato com a divindade, bem como uma série mais complexa de rituais, calendários litúrgicos e seculares, prescrições éticas, códigos jurídicos, costumes alimentares e arte sacra. MODERNO VERSUS PÓS-MODERNO Pode-se contrapor a pós-modernidade a modernidade no sentido, de que fala Pondé. O homem moderno achava que a razão poderia organizar o sentido do mundo. Já o homem pós-moderno, pelo contrário, está fazendo o luto da razão como instância de significado. O pós-moderno significa, assim, filosoficamente a ressaca da razão. E como ficam fenômenos peculiares como o neo-pentecostalismo e a chamada espiritualidade new age, em face deste cenário específico? Ambos os fenômenos renderiam monografias e tratados separados, mas em linhas gerais pode-se afirmar que os neo-pentecostais são uma reação à petrificação religiosa, mergulhando a experiência religiosa, que antes era solene, no frenesi extático das leis de economia de mercado e nos apelos midiáticos da sociedade de consumo. Ou seja, aqui resumi o que pode ser entendida como a tal da ‘teologia da prosperidade’. Em tempos que já há mais laços familiares mais consistentes ou de pertença comunitária da zona rural pré-moderna; as igrejas neo-pentecostais vêm preencher a lacuna da ânsia de qualquer pertencimento que seja, ainda que seja um pertencimento ruim ou que seja seduzido pelos apelos obscurantistas do fundamentalismo. Já os new ages seriam o outro lado da moeda pós-moderna. Enquanto os neo-pentecostais buscam igrejas lotadas, climatizadas e barulhentas; onde, muitas vezes, se apropriam de técnicas litúrgicas das religiões afro, que dizem combater; os new ages preferem o atendimento individual e personalizado dos ‘personal-spirituals-trainers’ ou leia-se: tarólogos, antropólogos, numerólogos, bruxos, gurus, cabalistas, instrutores de yôga e massoterapeutas...Sempre tendo em mente que não se poderá esquecer do Cartão Visa – o verdadeiro Deus de nossa época. Pesquisador e ensaísta.

Um comentário:

  1. Charles Odevan
    Lí seu texto. Só não colocarei uma nota porque não sou um especialista em religião. Mas acho que está ótimo.
    Estou enviando para você um texto do Teólogo Leonardo Boff: "O Resgate do Sagrado". Ele está em italiano, mas poderá fazer a tradução para a nossa língua. - Um abraço - odécio

    ResponderExcluir