segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O NOVO PARADIGMA DO TRABALHO: SUBCONTRATAÇÃO E RE-ESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA




O NOVO PARADIGMA DO TRABALHO: SUBCONTRATAÇÃO E RE-ESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Este ensaio parte, sobretudo, de duas obras: uma de Ricardo Antunes Os sentidos do
trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho – 3ª edição – São Paulo:
Boitempo, 2000 e uma de Anselm Jappe As aventuras da mercadoria; para uma nova
crítica do valor – Tradução: José Miranda Justo – Lisboa: Antígona, 2006; também lemos uma entrevista de István Mészáros; assim como, alguns artigos de Robert Kurz da versão online em português da Revista EXIT!

O propósito deste ensaio é refletir sobre a configuração do chamado novo proletariado,em face do advento do toyotismo e suas implicações para uma transformação ou ruptura com a sociedade mercantil.

Em Ricardo Antunes constata-se que o velho proletariado – que se consolidou com o
modelo de otimização taylorista/fordista e na política com o keynesianismo Jappe;2006) – já não existe mais.

Mas o que é proletário? Deve ser a pergunta inicial para nortear nosso ensaio. Proletário é quem despossuído do meio de produção ( a lavoura, a fábrica, a prestadora de serviços) é obrigado a vender sua força de trabalho em troca de um salário.

Então já não há quem venda sua força de trabalho? Lendo Antunes não é bem isso que
se conclui. Há proletários ainda mas estes ganharam novos predicados.

Para não ficarmos no campo da abstração, vamos dar um exemplo tirado da política
brasileira. O próprio Luís Inácio Lula da Silva constata que na época de sua juventude, bastava ao migrante nordestino como ele, fazer um curso de torneiro mecânico no SENAI, que o mercado de trabalho lhe acenava com o pleno emprego, enquanto que hoje um engenheiro mecânico formado pode ficar desempregado.

Para esmiuçar o que aconteceu nesse processo aqui, cabe buscar-se em Marx. Para o
autor de O capital, Antunes diz que ele tratou o proletariado e a classe trabalhadora como sinônimos.

No século XIX, os trabalhadores assalariados eram centralmente proletários industriais.

Hoje a classe trabalhadora é o conjunto do que Marx chamou de ‘trabalhadores
produtivos’. Desse modo, a classe trabalhadora hoje não se restringe somente aos
trabalhadores manuais diretos, incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que vende sua força de trabalho em troca de salário. Contudo, ela é hoje centralmente composta pelo conjunto de trabalhadores produtivos que são aqueles que produzem diretamente mais-valia e que participam também diretamente do processo de valorização do capital.

Antunes afirma que a classe trabalhadora hoje, engloba também o conjunto dos
‘trabalhadores improdutivos’. Aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como
serviços, seja para uso público, como os serviços públicos tradicionais, seja para uso capitalista. O trabalho improdutivo seria aquele que não se constitui como elemento vivo no processo direto da valorização do capital e da mais-valia.

O capital também depende fortemente de atividades improdutivas para que as suas
atividades produtivas se efetivem. Mas aquelas atividades improdutivas que o capital
pode eliminar, ele assim tem feito, transferindo muitas delas para o universo dos
trabalhadores produtivos.

Antunes constata um paradoxo do capitalismo atual: dado que a todo trabalho produtivo é assalariado mas nem todo trabalhador assalariado é produtivo, uma noção de classe
trabalhadora deve incorporar a totalidade dos trabalhadores assalariados. Assim, a classe trabalhadora hoje é mais ampla do que o proletariado industrial do século passado, embora o proletariado industrial moderno se constitua no núcleo fundamental dos assalariados. Quer esses assalariados executem atividades materiais ou imateriais, quer atuando numa atividade manual direta, quer nos polos mais avançados das fábricas modernas, exercendo atividades mais “intelectualizadas” (que num número reduzido), trabalhadores esses caracterizados por Marx como “supervisor e vigia do processo de produção” (Grudrisses).

Antunes incorpora na classe trabalhadora o que denomina de proletariado rural, que
vende sua força de trabalho para o capital, os chamados boias-frias das regiões
agroindustriais. Mas o ponto de maior relevo, no ensaio de Antunes, é quando ele incorpora o proletariado precarizado, o qual ele denomina de subproletariado moderno, fabril e de serviços, que é ‘part time’, que é caracterizado pelo trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, como são os trabalhadores dos Mc Donald’s, dos setores de serviços, dos ‘fast foods’, que o sociólogo do trabalho inglês Huw Beyon denominou de operários hifenizados, são operários em trabalho-parcial, trabalho-precário, trabalho-por-tempo, por-hora.

Nesta altura do ensaio de Antunes é que estão criados os desafios para as esquerdas,
desde aquelas que querem administrar o capital, quanto aquelas que pretendem superá-lo.

O mundo que criou Lula não existe mais.

A primeira tendência que vem ocorrendo no mundo do trabalho hoje é uma redução do
operariado manual, fabril, estável, típico da fase taylorista e fordista do pleno emprego. O proletariado industrial brasileiro teve um crescimento enorme nos anos 60 e fins de 70. O ABC paulista tinha cerca de 240 mil operários em 80, hoje tem pouco mais de 110, 120 mil[aqui utilizo dados estatísticos de Antunes, como o livro já tem 10 anos de publicação, pode ser que tenha havido uma redução ainda maior.]Se a Volkswagen tinha 40 mil operários hoje têm menos de 20 mil, produzindo, entretanto, muito mais.

André Gorz percebeu que há uma tendência marcada pelo enorme aumento do
assalariamento e do proletariado precarizado em escala mundial. Assim, paralelamente à redução de empregos estáveis, aumentou em escala insustentável o número de
trabalhadores em regimes de tempo parcial, em trabalhos assalariados temporários.

Antunes diz que o capital reconfigurou uma nova divisão sexual do trabalho. Nas áreas
onde é maior a presença do capital intensivo, de maquinário mais avançado, predominam
os homens. E nas áreas de maior trabalho intensivo, onde é maior a exploração do
trabalho manual, trabalham mulheres.

E o toyotismo onde fica nisso tudo? O toyotismo ou modelo japonês de gestão da cadeia
produtiva é o principal responsável pelo surgimento desse novo proletariado. Não
esquecendo é claro que a toyotização da produção não é causa, mas efeito da grande
crise do capital com a revolução microeletrônica e com a falência do modelo keynesiano da década de 70 (Jappe;2006).

O Toyotismo, criado pela indústria automobilística japonesa, caracteriza-se pelo que seus executivos empolgados chamam de “redução do desperdício” e curiosamente os
capitalistas japoneses se inspiraram no modelo norte-americano de gestão de
supermercados, da indústria têxtil. Assim, com a intensificação do tempo e do ritmo de trabalho criam-se níveis insuportáveis de exploração do trabalho. A jornada de trabalho pode até reduzir-se, com a pressão de operários mais radicalizados, enquanto o ritmo se intensifica.

Desse modo, o processo toyotista de gestão da cadeia produtiva traduz-se pelo fato de
que é um operário ou uma operária trabalhando em média com quatro, com cinco, ou
mais máquinas. Enquanto no modelo fordista e taylorista havia uma especialização de
tarefas. Além disso, esses trabalhadores, sob o modelo japonês, são desprovidos de
direitos (a chamada flexibilização do trabalho) – como se vê no polo industrial do
município de Horizonte, tão enaltecido pelo Governo das Mudanças de Tasso Jereissati e continuado pelo Governo Cid Gomes – seu trabalho é desprovido de sentido, em
conformidade com o caráter destrutivo do capital, pelo qual relações metabólicas sob
controle do capital não só degradam a natureza levando o mundo à beira da catástrofe
ambiental ( como o Estaleiro que Cid Gomes queria no Serviluz indiferente a um forte
impacto socioambiental), também precarizando a força humana que trabalha,
desempregando ou subempregando-a, além de intensificar os níveis de exploração.

Desta forma, Antunes conclui que a classe trabalhadora atual é mais explorada, mais
fragmentada, mais heterogênea, mais complexa.

Ainda que não houvesse uma homogeneização total no taylorismo/fordismo do século XX
(trabalhadores homens, mulheres, qualificados e não qualificados, nacionais e imigrantes, jovens etc.) deu-se uma enorme intensificação desse processo, que alterou sua qualidade, aumentando e intensificando em muito as clivagens anteriores.

E como fica a consciência de classe em face da tayotização da cadeia produtiva? A antiga solidariedade operária (de que se falava Bakunim) fica completamente prejudicada, pois o trabalhador passa a introjetar os valores do proprietário da empresa. Deste modo, qualquer resistência, rebeldia, recusa, sabotagem são completamente rejeitadas como atitudes contrárias “ao bom desempenho da empresa”, tornando o trabalhador um déspota de si mesmo. Deste modo, o trabalhador é instigado a se auto recriminar e se punir, se a sua produção não atingir a chamada “qualidade total”. Assim, o trabalhador é levado a só pensar na produtividade, na competitividade, em como melhorar a produção da empresa, considerada sua “outra família”.

LIMITES DE RICARDO ANTUNES

Ainda que no ensaio de Antunes sejam levantados elementos extremamente inteligentes
e pertinentes, é na parte final do livro que o pensamento do autor de Adeus ao trabalho? encontra seus maiores problemas. Embora forneça um diagnóstico interessante sobre o novo proletariado e suas implicações para a transformação social, Antunes erra no remédio: ao propor o socialismo como solução para alienação desse novo proletariado no contexto da sociedade produtora de mercadorias.

Mas iremos esmiuçar bem essa parte para não cometer injustiças.

Antunes não quer o modelo de ‘socialismo num só país’ implantado pela stalinização do
movimento operário. Ele quer um “projeto que tenha como horizonte uma organização
societal socialista de novo tipo, renovada e radical”.

Em países emergentes dotados de significativo parque industrial como Brasil, México e
Argentina Antunes vê um início possível de seu projeto.

Antunes acerta, parcialmente, ao ver na rebelião Zapatista do México como algo próximo de seu projeto – ainda que seja bom frisarmos que os Zapatistas não reivindiquem para si o termo socialismo; acerta ao identificar um potencial revolucionário nos movimentos dos trabalhadores desempregados e erra feio ao identificar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) como nova forma de organização que se rebela contra o sentido destrutivo do capital.

E para ilustrar nosso argumento, vamos citar o caso, conhecido entre anticapitalistas
autênticos, ocorrido no interior do Estado do Ceará.

No município de Acarape há um assentamento de trabalhadores rurais ligados ao MST.
O Assentamento era dividido em dois grupos antagônicos: um majoritário, composto por
trabalhadores rurais evangélicos, ligado à cúpula do MST e um grupo minoritário,
autodenominado de trabalhadores autônomos, que discordavam do modelo produtivista
hegemônico do MST.

O grupo majoritário predominantemente evangélico, dentro dos moldes produtivistas,
chegou a desmatar criminosamente uma mata ciliar de madeira sabiá para vender lenha e
desenvolveu uma monocultura de cana-de-açúcar para empresa Ypióca em regime de
trabalho precarizado, enquanto o grupo minoritário passou a ser perseguido por ter
denunciado o majoritário ao IBAMA e por ter recusado o crédito do BANCO DO
NORDESTE para não endividar-se. O grupo minoritário era discriminado pelos
trabalhadores evangélicos por não fazer queimadas e por adotarem princípios não
invasivos da agroecologia e da permacultura.

Toda essa longa ilustração foi para demonstrarmos que o MST não representa nenhuma
ameaça ao modelo poluidor e concentrador de renda do ‘agro-business’ e que seus
trabalhadores longe de quererem se emancipar da lógica perversa do capital, querem
desesperadamente se integrar a ela.

O ensaio de Antunes é tremendamente feliz em mostrar um contexto proporcionado pela
toyotização da produção e da reestruturação do capital e o impacto da subcontratação.
Pois hoje empresas como a BENETTON e a NIKE em vez de concentrarem sua produção
no interior da fábrica, parcelizam o trabalho pelo mundo todo, criando aberrações como as facções onde pessoas trabalham em residências sem direitos trabalhistas em jornadas estafantes.

Antunes aposta demais num suposto caráter anticapitalista do sindicalismo brasileiro.
Fornece elementos para entender a gênese e o desenvolvimento da CUT e suas
acomodações socialdemocratas, contratualistas; a partir da Articulação Sindical,
entendidas nas políticas de parcerias, nas negociações com o patronato, nas câmeras
setoriais, com vistas “ao crescimento do país” e sua cada vez maior atrelação à
burocracia do Estado.

Antunes espera que no interior do sindicalismo brasileiro se controle fortemente os
monopólios.

A nosso ver, Antunes espera demais por partidos e sindicatos mergulhados até a raiz dos cabelos na reprodução do capital e não em sua superação.

Antunes espera até que os sindicatos passem a promover uma auto-organização classista
dos desempregados. Quando vemos os sindicatos cada vez mais presos a política de
migalhas para os filiados empregados e até incentivando práticas xenófobas,
ultranacionalistas contra os trabalhadores e subproletários imigrantes ou com hesitações antissemitas. (Robert Kurz)

A NOSSA PROPOSTA

É muito difícil uma emancipação social radical enquanto se insistir em categorias
imanentes à lógica do capital: estado, mercadoria, trabalho, dinheiro, valor, política, partidos, sindicatos.

Anselm Jappe nos ajuda em muito a desenvolver uma proposta consistente e
transcendente à sociedade mercantil. Enquanto Antunes propõe uma emancipação no
trabalho e pelo trabalho, propomos a emancipação do trabalho, a abolição do trabalho.

Nas situações em que o trabalho já desapareceu ou nunca chegou a estar presente
condenando um terço da humanidade à lata de lixo social, só a emancipação do trabalho
pode sacudir a sociedade mercantil.

Parafraseando Jappe se o capitalismo foi uma ‘expropriação de recursos’ agora é
necessário organizar a ‘reapropriação dos recursos’. Desse modo, para finalizar,
propomos o controle social da produção em escala transnacional.

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