terça-feira, 18 de setembro de 2012

KARDECISMO, MACUMBA, UMBANDA, QUIMBANDA E POLÍTICA




KARDECISMO, MACUMBA, UMBANDA, QUIMBANDA E POLÍTICA

Este estudo tem como propósito fazer um levantamento histórico do momento em que a Macumba - culto afro-brasileiro herdeiro da Cabula de origem bantu-angolense - se dividiu em dois cultos antagônicos (Umbanda e Quimbanda) no contato com o Kardecismo.

Este estudo é um diálogo crítico com várias fontes bibliográficas, mas sobretudo com a obra África de Geoffrey Parrinder (Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1987) e com a tese de doutorado Umbanda - Os "Seres Superiores" e os orixás/santos: um estudo sobre a fenomenologia do sincretismo umbandístico na perspectiva da Teologia Católica de Valdeli Carvalho Costa (São Paulo: Edições Loyola, 1983).

O TERMO MACUMBA

No início do século XX, o culto dos Negros bantu do Rio de Janeiro, ainda não era conhecido com o nome de Macumba. A primeira referência ao nome só irá aparecer no ensaio O Negro na Música Brasileira de Luciano Gallet em 1934. Depois disso, a macumba designará o culto da etnia bantu dos negros residentes no Rio de Janeiro.

A Macumba, segundo Valdeli Costa, desse período era ritualmente pobre e muito próxima da estrutura do culto praticado pela etnia Bantu na África. Invocam os mortos e os antepassados tribais, seres bem ou malfazejos. Acreditam na transmigração das almas
"o que no Brasil, os aproximará da doutrina Kardecista - no totemismo e nas práticas mágicas”

O TERMO UMBANDA

O grão-sacerdote da Macumba, na época, denominava-se umbanda, embora também fosse designado como "pai de terreiro". Ele era o evocador dos "espíritos" e o dirigente das cerimônias. O termo Umbanda ou Embanda é originário de "Ki-mbanda", o grão-sacerdote bantu, simultaneamente curandeiro, adivinho e feiticeiro.
O SURGIMENTO DA UMBANDA

A crescente difusão da Macumba entre a população pobre do Rio de Janeiro (negra ou branca) se deu pela conjugação da marginalização imposta no reordenamento urbano ("Belle-èpoque") e pela solução de problemas por parte das entidades espirituais que a Ciência oficial e a Medicina branca não conseguiam resolver. Neste ínterim a Macumba passa a atrair os homens brancos da classe média com maior escolaridade, conhecimentos e práticas da doutrina kardecista. Neste momento a estrutura ritual e doutrinária da Macumba entra em crise. Os neófitos, impregnados de padrões mentais e valores euro-brasileiros, começaram a questionar a Macumba, criticando e procurando esvaziá-la de seus traços africanos, de suas práticas rituais, repugnantes à sensibilidade branca (uso de sangue animal, pólvora, punhais, cachaça etc.).

Nesta altura cabe investigar: porque os brancos da classe média de intrusos passaram a galgar a chefia dos terreiros de Macumba. Sabe-se que uma das formas de poder e opressão é a alegação da escolaridade. Ou seja, em um ambiente de provável baixa-estima que caracterizava os pobres negros e brancos não-escolarizados, o ingresso do branco remediado que sabe usar a norma padrão da Língua Portuguesa, resultará no branqueamento compulsório e autoritário da Macumba. Entretanto, à medida que os brancos escolarizados passaram a dominar e impor seus parâmetros à Macumba suscitou-se forte resistência e oposição da parte dos Negros fiéis às antigas tradições. O atrito entre o apego aos valores tradicionais negros e o esforço "civilizador" e "branqueador" produziu uma cisão interna no culto. Os negros e terreiros fiéis às tradições ancestrais da Macumba deram origem ao que se passou a ser chamado de Quimbanda pela ala Kardecista da antiga Macumba. E esta ala Kardecista remanescente passou a se nomear de Umbanda. Desse modo, como não podemos esquecer a dimensão política da linguagem, a palavra Quimbanda passou a ser utilizada para detratar a facção oposta, com o intuito de acentuar o caráter primitivo da adversária, designando-a com o nome arcaico do sacerdote bantu na África. Dessa forma, os umbandistas, chefes de terreiro, dão uma conotação fortemente negativa à Quimbanda, apresentando-a, como votada a fazer o mal, através da magia negra. Assim, a Umbanda irá justificar sua existência como o combate à suposta ação maléfica exercida pela Quimbanda, através de seus Exus quimbandeiros.

O FIM DA MACUMBA

O nome Macumba tende a desaparecer, devido à forte conotação depreciativa que o termo possui. Desde 1968 que Valdeli Costa percebe a aversão dos umbandistas dos terreiros urbanos a serem chamados de "macumbeiros". Nos subúrbios, o termo Macumba ainda é usado. Na Cabana Espírita Maria Conga situada no Realengo (Rio de Janeiro), o ritual ainda reflete o período de coexistência pacífica das duas formas ritualísticas dentro do mesmo terreiro.

O SIGNIFICADO POLÍTICO DA UMBANDA

A Umbanda, entendida como a ala Kardecista da Macumba, surgiu com o intuito de uniformizar o ritual e a doutrina afro-brasileira, refreando a tendência inventiva dos pais de santo em seus terreiros. Ou seja, ela visou à homogeneização dos cultos tribais brasileiros na perspectiva de poder melhor vigiá-los, controlá-los, servindo como aliada da classe dominante no processo que os historiadores chamam de "Bella-èpoque".

A "Belle-èpoque" (final do século XIX e começo do século XX) se caracterizou como uma disciplinarização urbana que investiu em formas de controle social sobre as camadas baixas da sociedade (retirantes, moradores do subúrbio, crianças abandonadas, mendigos, doentes infecciosos) através dos asilos de mendicidade e de alienados mentais, lazaretos, reformatórios; utilizando-se de profissionais disciplinadores (médicos sanitaristas, bacharéis, militares e burocratas) com a intenção de instituir padrões comportamentais ajustados à disciplina do trabalho indispensável para a consolidação do capitalismo industrial (GLEUDSON PASSOS CARDOSO, 2002).

Desse modo, o Kardecismo, produto do Positivismo e do Evolucionismo, serviu como o braço invisível do Poder. Para a classe dominante não interessava apenas dominar o corpo dos indivíduos através da coerção policial, ela queria também dominar as almas, as idéias através da coerção simbólica. O Kardecismo ganhará aprovação social pelos Estados Totalitários (basta ver o crescimento das casas espíritas na Ditadura Vargas), enquanto os cultos mais africanizados que representavam uma ameaça aos valores do capitalismo industrial serão perseguidos e, mais tarde, em face de sua resistência, cooptados.

Assim pensar a origem da Umbanda, é resgatar um período histórico em que a classe dominante utilizou todos os recursos imagináveis (violentos e/ou simbólicos) para fiscalizar e conter uma imensa maioria negra, indígena e mestiça que estava começando a criar formas de sociabilidade completamente contrárias aos interesses do grande capital.

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